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terça-feira, 21 de julho de 2020

RESISTÊNCIA




Ninguém me castra a poesia
se debruça e me põe vendas
censura aquilo que escrevo
nem me assombra os poemas
*
Ninguém me apaga os versos
nem amordaça as palavras
na invenção de voar
por entre o sonho e as letras
*
Ninguém me cala na sombra
deitando fogo aos meus livros
me ameaça no medo
ou me destrói e algema
*
Ninguém me aquieta a escrita
na criação de si mesma
nem assassina a musa
que dentro de mi se inventa

*Teresa Horta

(inédito)
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quinta-feira, 18 de junho de 2020

VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA





Este poema nasceu de um sentimento experimentado por Maria Teresa Horta aos dezanove anos, na sua primeira visita ao Louvre.

VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA

Subia as escadarias do Louvre
e de súbito vi-te
com as tuas asas abertas

Lá em cima...

Como um belíssimo anjo
degolado
na sua veste feminina

Vitória de Samotrácia
– soube, aturdida
com a tua estranheza

E sentei-me nos degraus
de mármore
a chorar de beleza

MTH



C C


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quarta-feira, 22 de março de 2017


FEMININO


São as ninfas
são as musas
as mulheres com o seu riso
As Dríades e as Nereides
Crineias nas suas fontes
e as mulheres despertando
Dentro do próprio sumiço
São as deusas, as sereias
enfeitiçando o cantar
as mulheres tecendo as teias
Penélope Euterpe Eurídice
de meiga pele ambarina
as mulheres correndo em busca
Na sua pressa felina
São sibilas, amazonas
profetisas, feiticeiras
as mulheres querendo voar
Com os espíritos femininos
valquírias de espada honrosa
de mulheres ousando o risco
Com alegria nervosa
São sílfides com voz de vento
são as ondinas nadando
seguindo a rota dos rios
As salamandras ardendo
de si mesmas sequiosas
Morgana com os seus filtros
De invenção harmoniosa
São adivinhas da água
sufragistas, feministas
na haste do pensamento
Renascendo com vagares
à sombra da própria seda
na chama rubra da tenda
São as mulheres do meu tempo
Mudando a eternidade
e a vida em seu sustento
sem jamais cicatrizarem
Os séculos de esquecimento

Maria Teresa Horta
In «Poemas do Brasil», 2009, Editora Brasiliense, S. Paulo (livro inédito em Portugal).

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terça-feira, 24 de maio de 2016

Poesia





 MARIA DA NAZARÉ


 «Mais uma carta, um bilhete, um conto, um poema, um livro, uma memória muito antiga ou atrasada de menina absurda...
Quem sabe de nós qual?
Tu,,, serena, sedenta, demiurga,
Alumbrada?
Aturdida?
Quantas vezes mais te vou escrever?
Criar-te na invenção da pétala de sedução resgatada, recriando-te Maria ao julgar encontrar-te, redescobrir-te na lisura ligeiramente encrespada de luar das noites mais claras,,,
A espreitar-te:
por uma fresta de nada, uma nesga de tempo, por uma fissura de farpa, um sulco de céu.
A imaginar-te ou a descrer-te, se fosses tal como te queriam no disfarce do nada, e para tal te truncaram a imagem, trocando-a por aquela que eu sempre desmenti - desminto, acreditando no teu sussurro de aragem-folhagem ou conivência sombria.
Colho-te, Maria, a palavra abismada:
Liz
Lírio
De pureza,,, cercada
Dizendo-te rosa no deslumbre-lume dos astros, tal como relembras Gabriel na sua cintilação de asas que te cobriam-encobriam, colhiam no resguardo da sombra.
Procurei-te na poesia, na minha poesia, por ser o único indício de mim que reconheço: poema após poema, após poema...
Pelo teu avesso ignoro o meu direito
E sei do teu direito, através do meu avesso tecido no grito, no gosto e na desobediência.
Por ser essa, Maria, nossa única maneira de surdir.
Partir?
Pois enquanto te escrevi, olhei
o estilhaçar do cristal da tua alma. E no teu rosto eu vi tal como na minha cara,
doces estranhezas ávidas:
cada ruga de riso; cada rego de lágrimas.»
Lisboa, 23 de Maio de 2016
Na foto, Maria Teresa Horta autografa o texto transcrito acima, a pedido de José Tolentino Mendonça.

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quinta-feira, 14 de abril de 2016

  
Nuremberga



AVESSO

O meu oposto contrário
está no avesso do sol
e na invenção da sombra
*
No sobressalto
da folha
onde o poema desfolha
*
Me inventa, sabe
e lembra
me questiona e sustenta
*
Me incendeia e relembra
me respira
e me desvenda
*
(inédito)»
Maria Teresa Horta



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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

LUTO PELO POETA MEDIADOR DA LUZ

  1. O luto voltou a abater-se sobre Maria Teresa Horta. Esta manhã acompanhou à sepultura, no Cemitério dos Prazeres, o poeta António Ramos Rosa. É um luto profundo, que nasce das raízes da poesia de MTH. Foi, de facto, António Ramos Rosa o poeta a quem a jovem Teresa confiou os seus primeiros poemas, com pedido de parecer. Fê-lo por correio, em fins de 1959, num sobrescrito registado e endereçado de Lisboa «ao poeta António Ramos Rosa – Faro». Três dias depois, um telefonema de Ramos Rosa louvava o talento da jovem poetisa e estimulava-a a publicar a poesia em livro, propondo-se assegurar a respectiva edição. Assim nasceu, em Maio de 1960, «Espelho Inicial». Mais tarde, em 1987, no seu livro de estudos sobre a poesia portuguesa contemporânea «Incisões Oblíquas», António Ramos Rosa salienta «a subversão do desejo» na poética de Maria Teresa Horta. Segundo o autor, para MTH «é a própria existência que emerge na sua palavra e nela se apreende e se repercute. Seja directa, seja metafórica, a sua linguagem tem a ardência vital do corpo e a sua violência sensual é, em toda a sua irracionalidade, libertadora e subversiva». A relação de amizade e admiração dos dois poetas manteve-se ao longo dos anos, tendo Teresa garantido o exclusivo, remunerado (o que não era, nem é, vulgar), da publicação de poemas de António Ramos Rosa no suplemento «Literatura & Arte» de «A Capital». E, em Outubro de 2002, a pedido do poeta, Maria Teresa Horta, lança, na Livraria Bulhosa, ao Campo Grande, o seu livro «A Rosa Intacta» (ver foto abaixo). Esta tarde, no regresso do adeus ao poeta, MTH escreveu o seguinte poema:

MEDIADOR DA LUZ

Para mim sempre foste
o poeta
mediador da luz

Transfigurando a realidade
em utopia, na sua triagem
de versos e palavras

Em busca da metamorfose
da claridade,
nas fundações da linguagem

Seduzindo a ilusão
pelo voo da asa
num abismo profundo

Aquele que toma o sonho
e o conduz,
mudando cada poema

em mundo


Maria Teresa Horta, 25 Setembro 2013
 Texto e foto retirados da cronologia de MTH

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Poesia


«OUTONO» - 3ª. E 4ª. PARTES
Terceira e última parte da elegia concluída por MTH no recente equinócio de Outono.

OUTONO

- 3 -

Duvido sempre do outono
sigo as suas pistas macilentas
esvaídas e translúcidas

seus incertos vestígios

Enquanto, uma por uma
as estações equívocas decepam
as flores mártires e fatídicas

as rosas tamisadas das lágrimas

E em seguida os lagos vão
surgindo, de súbito nimbados
por um escasso halo azul-violeta

beladona brotando das ruínas

Venenos a provocarem o transe
a que a realidade obriga e leva
até ao coração das penumbras ínvias

crendo ser o véu translúcido

No esvaimento da alba
ou no encobrir o rosto
esquálido das noviças

Escassas claridades lívidas

Nas submersas, adversas
e secretas cavernas mais íntimas
onde habitam as deidades invisíveis

Oh os amores malditos!

O meu amante busca-me
e julga perder-me, na brancura
da neve intocada e austera


- 4 -

Questiono sempre o outono
seguindo-lhe as águas
propiciatórias às suas interioridades

de luz refractária

Errantes, as águias pairam
no cimo, planando cismadas
voando a quebradura e o equívoco

desapiedadas

Enquanto o meu amante
descrente da paixão
me vai deixando para trás

E exausto me abandona
desprendido e inclemente

Maria Teresa Horta, 22 Setembro 2013

NOTA: A elegia «Outono», embora estruturada em quatro partes e objecto de três posts nesta Página Oficial, é um poema único.
 
                                                             foto de MTH-Página Oficial
 
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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Poesia

«OUTONO» - 2ª. PARTE
Segunda das quatro partes da elegia concluída por MTH anteontem, dia do equinócio de Outono.

OUTONO

- 2 -

Suspeito sempre do outono
caminho pelas suas
sombras furtivas e ruivas

algemada à turvidade

Seguindo o rasto das horas
fugidias, das luzes esquivas
do termo, nos finais de tarde

desorganizando os ventos

E as solidões vazias, por entre
os lobos e as raposas, à espreita
pelas frestas das noites de alquimia

Crepúsculo - acrescento

Não sabendo impedir
que se esgarcem, dia após dia
as inúmeras claridades findas

Equinócio no dealbar do verão

Luminescências esbatidas
à medida que as lâminas
do inverno se aproximam

no decorrer dos meses

Onde se tropeça nas lajes, nos líquenes
nas pedras, nas humidades da terra
nas raízes, nas incertezas do gelo

esvaído e desabrido

O meu amante busca-me
no pranto, pelo meio
dos cardos e dos abetos

Maria Teresa Horta, 22 Setembro 2013




foto da Cronologia de MTH-Página Oficial

domingo, 22 de setembro de 2013

Poesia

«OUTONO»
Primeira das quatro partes do poema que Maria Teresa Horta concluiu hoje, 22 de Setembro de 2013, dia do equinócio de Outono.

OUTONO

- I -

Desconfio sempre do outono
ando pelos seus atalhos
observando as rotas que nos levam

até ao frio

Mostrando a queda mosqueada
da folhagem das árvores
da grossura do sol a transformar-se em fio

de gelo quebradiço

Perco-me pelas suas sigilosas
grutas de granizo
que me impedem de hibernar

de emigrar

Partindo de mim mesma
para lugares seculares
de menor desabrigo

até me encontrar

No inverso, no acesso
a um desassossego antigo
onde nunca consigo

defender-me deste frio maior

A gelar a névoa que me habita
a memória, prendendo-me
à correnteza gélida dos rios

Catarse - digo

Enquanto o meu amante
se transfigura, melancólico
e solitário na sua cama álgida

(...)

foto da cronologia de MTH- Página Oficial 

terça-feira, 11 de junho de 2013

Poesia

 
                                                           'Noite Estrelada', de Van Gogh.
ESCREVER

Com uma mão
dou-te tudo
com a outra descubro o nada

Uns dias sou
de veludo
outros de raiva vidrada

Entre a escrita onde me digo
e na escrita
onde me iludo

Há a escrita onde me escondo
e a outra
de meu abrigo

Tendo a razão como escudo
na porfia do disfarce
eu escrevo a ventania

Pelo meio da tempestade


Maria Teresa Horta, in «As Palavras do Corpo» (Dom Quixote /Leya, 2012).
 
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quarta-feira, 24 de abril de 2013

Poesia



                                             
 MULHER-POETISA

Pareces um mistério
intransponível

Alguém que se
esquivou
ao seu preceito

Na recusa
de obedecer à vida

Ao quererem-te domada
e desse jeito
dócil obediente submissa

«Impossível!» - respondeste
branda e esquiva

Sou mulher
Revoltosa
E poetisa

Maria Teresa Horta
in «Poemas para Leonor» (D. Quixote/Leya), pág. 71.


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