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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Na memória de Eugénio de Andrade




As Palavras Interditas
 

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.
Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.
Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

in “Poesia e Prosa

C C

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sábado, 19 de janeiro de 2019

Eugénio de Andrade






Eugénio de Andrade-19 Jan 1923 // 13 Jun 2005

Escreveu os  primeiros poemas em 1936, e em 1940, publicou o seu primeiro livro Narciso, por aconselhamento de António Botto.
Tornou-se funcionário público em 1947, exercendo durante 35 anos as funções de Inspector Administrativo do Ministério da Saúde. É neste período que o conheço pessoalmente. De seu nome Fontinha,  não era "flor que se cheirasse". No meu entender tinha exigências desnecessárias e algumas vezes a despropósito. Tive mesmo numa  ocasião de usar de  autoridade e pô-lo fora do meu consultório. Contudo, nada disto foi motivo que o afastasse ou impedisse de me "pedir boleia", algumas vezes. Estávamos a 15Km do Porto e ele aparecia de auto-carro.
Tinha uma conversa interessante, o que me fez  pensar  estar perante uma pessoa com  grande sensibilidade poética e que nada tinha a ver com a profissão que exercia: mas não o conhecia como poeta.
Depois, foi o Eugénio de Andrade, que  apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional,  sempre viveu distanciado do bulício da vida social, literária ou mundana. Justificava as suas raras aparições públicas com «essa debilidade do coração que é a amizade».
A sua última residência foi a extinta e malograda FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ANDRADE na Foz do Douro .
Encontra-se sepultado no Cemitério do Prado do Repouso, no Porto, numa campa rasa de mármore branco da autoria de Sisa Vieira, onde constam os versos da sua obra As Mãos e os Frutos, .

Até Amanhã
Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
E.A.

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segunda-feira, 3 de maio de 2010

O DOURO ontem na foz do SOUSA




Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.
.
Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
-surdo,subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?

Eugénio de Andrade