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terça-feira, 6 de novembro de 2018

No dia em que Sophia fazia anos

      6 de Novembro   



.A Forma Justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

terça-feira, 4 de abril de 2017

4 de Abril


Lembrar a minha irmã

Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar    

Sophia de Melo Breyner

 

  Para quem aprendeu a nadar no mar da Póvoa de Varzim, bem podemos dizer que, de todos os prazeres , o maior era o mar!

 

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sábado, 6 de dezembro de 2014

ÍTACA

                                                                                          
   


O Rei da Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado



Sophia de Mello Breyner Andresen
O Nome das coisas (1977)
 (foto da Webb)
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terça-feira, 1 de julho de 2014

Sophia



 
A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Sousa-Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. E apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras. Diz o coro de Esquilo: «Nenhuma muralha defenderá aquele que, embriagado com a sua riqueza, derruba o altar sagrado da justiça.» Pois a justiça se confunde com aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto. Confunde-se com aquele amor que, segundo Dante, move o sol e os outros astros. Confunde-se com a nossa fé no universo. Se em frente do esplendor do mundo nos alegramos com paixão, também em frente do sofrimento do mundo nos revoltamos com paixão. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo própria, necessária, fiel a si mesma. O facto de sermos feitos de louvor e protesto testemunha a unidade da nossa consciência.
A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido. E o tempo em que vivemos é o tempo duma profunda tomada de consciência. Depois de tantos séculos de pecado burguês a nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona, a poesia do nosso tempo não aprendeu a ceder aos desastres. Há um desejo de rigor e de verdade que é intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa.
O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor condição de trabalho e criação, pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele está a contribuir para a formação duma consciência comum. Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser.
Eis-nos aqui reunidos, nós escritores portugueses, reunidos por uma língua comum. Mas acima de tudo estamos reunidos por aquilo a que o Padre Teilhard de Chardin chamou a nossa confiança no progresso das coisas.
E tendo começado por saudar os amigos presentes quero, ao terminar, saudar os meus amigos ausentes: porque não há nada que possa separar aqueles que estão reunidos por uma fé e por uma esperança *.
Sophia de Mello Breyner Andresen

*(Texto lido em 11 de Julho de 1964 no almoço de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, por ocasião da entrega do Grande Prémio de Poesia atribuído a Livro Sexto).


Publicado no facebook por Eduardo Graça, a propósito da trasladação de Sophia de Mello Breyner Andresen para o Panteão Nacional.

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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Poesia


Salema



Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.


 Sophia de Mello Breyner Andresen
in No Tempo Dividido, 1954

      

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Poesia

                                                                 Porto


Os Amigos 


Voltar ali onde 
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Musa'


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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Poesia

Paula Rego

Esta Gente


Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo


 Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"
 Tema(s): Povo
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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Poesia


A buganvília que floresceu em Dezembro



Como uma flor vermelha

À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia. 

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha. 



Sophia de Mello Breyner Andresen
 
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Poesia




Sta. Maria do Bouro


                                      PÁTRIA
                                           
 

                                   Por um país de pedra e vento duro
                                   Por um país de luz perfeita e clara
                                   Pelo negro da terra e pelo branco do muro
 
                                   Pelos rostos de silêncio e de paciência
                                   Que a miséria longamente desenhou
                                   Rente aos ossos com toda a exactidão
                                   Dum longo relatório irrecusável
 
                                   E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
 
                                   E pela limpidez das tão amadas
                                   Palavras sempre ditas com paixão
                                   Pela cor e pelo peso das palavras
                                   Pelo concreto silêncio limpo das palavras
                                   Donde se erguem as coisas nomeadas
                                   Pela nudez das palavras deslumbradas
 
                                   - Pedra rio vento casa
                                   Pranto dia canto alento
                                   Espaço raiz e água
                                   Ó minha pátria e meu centro
 
                                   Me dói a lua me soluça o mar
                                   E o exílio se inscreve em pleno tempo


                                             Sofia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, 24 de abril de 2012

O 25 de Abril



Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen
O Nome das Coisas


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quinta-feira, 8 de março de 2012

POESIA

reflexos em Sta. Maria do Bouro


Pudesse Eu



Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!


Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

POESIA

Escola de Atenas-Rafael


RESSURGIREMOS

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta

Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos contornos
Na aguda luz de Creta

Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta

Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta.

Sophia M. Breyner Andressen

Livro Sexto (1962)
(Img.in iriscoffee00.blogspot.com)
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domingo, 20 de novembro de 2011

Sophia de Mello Breyner Andressen

Passados sete anos sobre a sua morte, a UP em colaboração com a Fundação Eng. António de Almeida e a família da poeta, presta homenagem a Sophia de Mello Breyner Andressen, colocando no Jardim dos Jotas do Palácio Andressen um busto de Sophia.
Hoje quando por lá passei, não gostei dele. Além de passar desapercebido, a cor confunde-se com o verde da folhagem das camélias, não contem a beleza, nem a expressão do rosto de Sophia.
Desconheço o autor da obra; procurei mas não vi nenhuma assinatura; mas deve lá estar. Mas seja quem for, não me parece feliz o efeito conseguido.
jardim dos Jotas
à esq. o busto de Sophia




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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

POESIA

Tatlin
Museu Pushkin-Moscovo


Data

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação



Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão


Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça


Sophia de Mello Breyner Andressen


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domingo, 16 de outubro de 2011

POESIA

Noite em Bruxelas

Espera

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Poesia



praia da falésia

HOMENS À BEIRA-MAR

Nada trazem consigo. As imagens
Que encontram, vão-se delas despedindo.
Nada trazem consigo, pois partiram
Sós e nus, desde sempre, e os seus caminhos
Levam só ao espaço como vento.

Embalados no próprio movimento,
Como se andar calasse algum tormento,
O seu olhar fixou-se para sempre
Na aparição sem fim dos horizontes.

Como o animal que sente ao longe as fontes,
Tudo neles se cala para escutar
O coração crescente da distância,
E longínqua lhes é a própria ânsia.

É-lhes longínquo o sol quando os consome,
É-lhes longínqua a noite e a sua fome,
É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço
Que deixam pela areia, passo a passo.

Porque o calor do sol não os consome,
Porque o frio da noite não os gela,
E nem sequer lhes dói a própria fome,
E é-lhes estranho até o próprio rasto.

Sophia de Mello Breyner Andresen
( Poesia)

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terça-feira, 31 de maio de 2011

POESIA


A
s minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar o ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.

Sophia de Mello Breyner
em "Coral"

sexta-feira, 27 de maio de 2011

POESIA

fotografia de Ana Cancela


Porque as manhãs são rápidas e o seu sol quebrado
Porque o meio- dia
Em seu despido fulgor rodeia a terra

A casa compõe uma por uma as suas sombras
A casa prepara a tarde
Frutos e canções se multiplicam
Nua e aguda
A doçura da vida

Sophia de Mello Breyner
in
Livro Sexto

sábado, 14 de maio de 2011

POESIA


AS FLORES

Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner Andresen

em No Tempo Dividido

domingo, 30 de janeiro de 2011

O João Maria já ri


O João Maria completou três meses. Que grande!!!!!!

e para ele...

Manhã


Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

Sophia de Mello Breyner