segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

 
  parque da cidade


Mãe-Terra

É a dança graciosa das aves
em lagos iluminados,
Os fios de água apressados
a correrem das nascentes
e as flores de pétalas abertas
a dançarem com o vento.

É a beleza da mãe-terra

feita de puro encantamento.

Vitor Carvalhais
 
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domingo, 11 de novembro de 2012

Para Memória Futura



Foto: Uma crónica de ANTÓNIO LOBO ANTUNES dedicada a ISABEL JONET do Banco Alimentar


" OS POBREZINHOS "


Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida.

Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:

 - Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.

O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:

- Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.

Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto

(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)

de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico

- Agora veja lá, não gaste tudo em vinho

o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:

- Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu

Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros

- O que é que o menino quer, esta gente é assim

e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.

Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse

- Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar

e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.

Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.

Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis.
Uma crónica de ANTÓNIO LOBO ANTUNES dedicada a ISABEL JONET do Banco Alimentar a propósito das declarações que ela proferiu sobre o que é isto de ser pobre; e a "necessidade" de  empobrecimento dos portugueses


" OS POBREZINHOS "


Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida.

Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:

- Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.

O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:

- Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.

Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto

(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)

de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico

- Agora veja lá, não gaste tudo em vinho

o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:

- Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu

Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros

- O que é que o menino quer, esta gente é assim

e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.

Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse

- Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar

e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.

Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.

Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis.
António Lobo Antunes
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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

2 de Novembro

Lembrar o meu Pai no dia em que fazia anos; e homenageá-lo com esta belíssima canção de Mahler "Ich bin der Welt abhanden Gekommen" na interpretação maravilhosa da mezosoprano Janet Baker




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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

a notícia



 A dança da vida - Edvard Munch



"A Segurança Social só garante a reforma por mais um período de oito anos".

A notícia estalou numa voz vibrante, clara, com a exaltação de quem anseia pelo efeito da grande audiência.  Depois veio a justificação, e a clarificação das consequências. E, dizia: embora  a esperança de vida tenha tendência a aumentar,  passando por isso a haver mais velhos,  muitos deles irão morrer. E pelo modo  da notícia, isso até dava jeito.  É claro que isso é a realidade; mas o que eu supunha, era que o jornalista já saberia disso antes; e não precisava de tanto entusiasmo para o constatar.

Esta notícia, porque me atingia particularmente, pôs-me a fazer contas. E, das várias  hipóteses  que dela poderiam resultar, curiosamente,  nenhuma  tinha nexo. Quando os anos, cautelosos, reclamavam a sua posição dianteira, logo o cérebro, reclamava a sua posição  em retaguarda. Neste impasse, e se a nossa vida é a que  o nosso cérebro nos dá, as contas anunciadas pelo jornalista não batiam certas.

Então, "que se lixe" a notícia e o jornalista.

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

PARABÉNS



  Agustina Bessa Luiz faz hoje 90 anos.

Afastada da escrita por razões de saúde, silenciosamente, não fora o sobressalto com algum ruído, causado pela publicação de dois novos inéditos  numa nova colecção chamada Contemplações da editora Babel, exclusivamente dedicada à escritora.
O primeiro volume da colecção, intitula-se  “Kafkiana” e é constituído por quatro
 pequenos textos que se debruçam sobre a natureza do homem kafkiano: a esse propósito, disse Agustina:
" Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pode evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”

 O segundo volume da coleção é um conto de 1951, intitulado “Cividade”, que recebeu nesse mesmo ano o primeiro prémio de ficção nos Jogos Florais do Minho, aos quais concorreu com o nome do marido, Alberto de Oliveira Luís.
 Neste conto, Agustina  revive um cenário da infância, de quando passava férias na Quinta de Cavaleiros, perto da Póvoa de Varzim.
 Estes dois inéditos são publicados hoje, dia do seu aniversário.

E da extensa obra literária que Agustina produziu, transcrevo o texto que se segue, por me parecer oportuno no tempo que se vive


A Saturação da Servidão

 Hoje estão em causa, não as paradas, que é tudo em que as multidões são adestradas, ou a guerra, a que se convidam; está em causa toda uma dinâmica nova para criar o habitat duma humanidade que atingiu a saturação da servidão, depois de há milénios ter dado o passo da reflexão. As pessoas interrogam-se em tudo quanto vivem. A saturação da servidão não é uma revolta; é um sentimento de desapego imenso quanto aos princípios que amaram, os deuses a que se curvaram, os homens que exaltaram. (...) Mas foi crescendo a saturação da servidão, porque a alma humana cresceu também, tornou-se capaz de ser amada espontaneamente; tudo o que servimos era o intermediário do nosso amor pelo que em absoluto nós somos. Serviram-se valores porque neles se representava a aparência duma qualidade, como a beleza, o saber, a força; esses valores estão agora saturados, demolidos pela revelação da verdade de que tudo é concedido ao corpo moral da humanidade e não ao seu executor.
Um grande terror sucede à saturação da servidão. Receamos essa motivação nova que é a nossa vontade, a nossa fé sem justificação a não ser estarmos presentes num imenso espaço que não é povoado pela mitologia de coisa alguma. Somos novos na nossa velha aspiração: a liberdade é doce para os que a esperam; quando ela for um facto para toda a gente, damos-lhe outro nome.


Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'


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terça-feira, 9 de outubro de 2012

A vindima


O Outono de Goya ( Museu do Prado)


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aquilino Ribeiro Machado


Aquilino Ribeiro Machado nasceu em Paris, na Ile de France em 1930, no ano em que seu pai, Aquilino Ribeiro, escreveu "O homem que matou o diabo!
 Aquilino Ribeiro participara na revolta de Pinhel em 1928 ( movimento militar do Regimento de Pinhel, que foi abortado), e tendo fugido do presídio do Fontelo, em Viseu, refugiou-se em Paris, onde casa com Jerónima Machado; é  julgado à revelia em Tribunal Militar em Lisboa, e condenado.

Jerónima Dantas Machado, era filha de Bernardino Machado, Presidente da República por duas vezes  na 1ª República.

Com menos de 1 ano veio com a família viver na Galiza e, em 1932, passou a residir em Portugal para onde seu Pai veio  clandestino, sendo mais tarde amnistiado.


 
 Casa Museu  Aquilino Ribeiro -Soutosa-Moimenta da Beira
 
Era engenheiro de formação, foi militante co-fundador do Partido Socialista, e foi o primeiro Presidente da Cãmara de Lisboa eleito em democracia. Foi também deputado na Assembleia da República na I e II legislaturas pelo círculo de Lisboa.
Morreu hoje com 82 anos de idade.

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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Mark Rothko


Markus Rothkowitz nasceu a 25 de Setembro de 1903, em Dvinsk, Rússia.

Retrato de família
(da esq. para a dirt. Os Pais, o primo, Roth e o irmão)


Em 1913 deixou a Rússia e foi com a família para a América do Norte. 
Em 1925, em Nova York, estudou com Max Weber na Art Students League. Participou em várias exposições nas Galerias Opportunity, de Nova York, e a sua primeira exposição individual ocorreu no Museu de Arte de Portland em 1933. Conviveu com Milton Avery Gotlieb e Adolph.
Também em 1933,  a sua primeira exposição individual em Nova York, foi realizada na Galeria de Arte Contemporânea.
Foi um dos fundadores do TEN, grupo de artistas simpatizantes da Abstração e do Expressionismo
 No início dos anos 1940, trabalhou de perto com Gottlieb, desenvolvendo um estilo de pintura com conteúdo mitológico,  formas planas simples, e imagens inspiradas na arte primitiva. Em meados da década, a sua obra incorporou técnicas e imagens surrealistas.
Em finais dos anos 40 e início dos anos 50, Rothko impõe o seu estilo; rectângulos luminosos parecem pairar sobre a superfície da tela

 Sem título, 1949
 White Center, 1950
 The black and white, 1963


Em 1958, o artista realizou as sua primeiras  pinturas monumentais no Restaurante Four Seasons, em Nova York.
 Fez   uma exposição individual importante em 1961, no Museu de Arte Moderna de Nova York 
 Completou murais para a Universidade de Harvard em 1962 e em 1964 aceitou uma comissão mural para uma capela  em Houston.

A Capela Rothko







Suicidou-se no seu estúdio em Nova York a 25 de Fevereiro de 1970.
Um ano mais tarde foi dado o seu nome à Capela de Houston






C C

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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

à procura do que dizer


 falésia portuguesa



 Já há algum tempo que não passo por aqui; por falta de tempo,  de disposição ou de lembrança. Também por ausência de motivos que me empurrem para a necessidade de pensar, investigar e logo de comunicar. A situação política actual, tão absurda como injusta, gera um misto de frustrações e rancores que desencorajam os mais aplicados.

Mas hoje apeteceu-me dizer coisas; mesmo sem saber o quê. Embora o aviso por parte do PM, de mais cortes nos rendimentos do nosso trabalho,  seja por si só um manancial de temas inesgotável.

 Se quem se encontra no activo se sente desmotivado e apreensivo quanto ao futuro, os que se encontram afastados do trabalho, porque já trabalharam, sentem~se roubados; porque ao depositarem os rendimentos do fruto do seu trabalho nas mãos do Estado para ser gerido, este desviou-os para onde muito bem quis,  sem permissão. A isto chama-se abuso de confiança e é costume haver punição para isso.

 Mas o País está numa triste situação em que o governo não respeita as leis, nem quando fazem  parte da lei fundamental da República como é a sua Constituição. Até mesmo depois de deliberação do Tribunal que a defende,  e que tem como função fazê-la cumprir. Ao dar este exemplo com o beneplácito do Presidente da República, tudo, a meu ver, será permitido.

O País está a saque!

Como isto por si só não bastasse, a dívida, a recessão e o desemprego aumentam.
Mas paralelamente, há quem viva ostensivamente com luxo, e o capital foge à tributação.
A defesa do capital é flagrante;  e de resto isso é feito com um descaramento despudorado.
Repare-se nas privatizações.
A Educação, e a Justiça, se estavam mal, agora agonizam. A Saúde, essa seguia bem, mas as medidas para a desagregarem avançam sem hesitações.

Estas reflexões que estou para aqui a fazer como quem fala só, são por assim dizer, um desabafo e um registo para memória futura. Longe de uma análise ideológica ou debate político.

Gostava de ver as pessoas mais empenhadas, mais intervenientes, mais firmes, e que os senhores do Poder as temessem. Mais conscientes de que o verdadeiro Poder está nas mãos de quem trabalha, que é quem gera o capital e não nas mãos de quem o detém.

Porque será que o povo português é tão conformado e aceita as ofensas com uma submissão bovina? Estende o cachaço e deixa que o carreguem. Fruto de uma ditadura de cinquenta anos? É provável, porque em outras alturas já deu provas de ser capaz de se revoltar.

Espero que a coisa comece a levantar-nos do sofá e as manifestações na rua atemorizem os espertalhaços / deshonestos /oportunistas / burlões que nos calharam para serem governo.


C C




segunda-feira, 23 de julho de 2012

Edward Hopper

Nos 130 anos do nascimento de Hopper

O pintor da solidão...


domingo, 22 de julho de 2012

Poesia


 Edvard Munch

 
Dies irae


Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!


Miguel Torga


sexta-feira, 20 de julho de 2012

Poesia

  David Hockney




 Saudação a Walt Whitman

 
(...)
Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!

Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!

Não quero intervalos no mundo!
Quero a contigüidade penetrada e material dos objetos!
Quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas,
Não só dinamicamente, mas estaticamente também!

Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstracto auge no fim de mim e de tudo!
(...)

Heia que eu grito
E num cortejo de Mim até ti estardalhaçam
Com uma algaravia metafisica e real,
Com um chinfrim de coisas passado por dentro sem nexo.

Ave, salve, viva, ó grande bastardo de Apolo,
Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças,
Funicular do Olimpo até nós e de nós ao Olimpo.

Álvaro de Campos

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quarta-feira, 11 de julho de 2012

Homenagem

Nada habitual recordar alguém de quem gosto  no dia da sua morte; prefiro a data do seu nascimento. Hoje não sei porque o faço; mas vou homenagear o meu Pai ouvindo Messiaen. Era de Música que ele gostava.



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sábado, 7 de julho de 2012

As Três Graças

As Três Graças de Peter Paul Rubens (1577 - 1640) datado de 1639,  é uma pintura a óleo sobre tábua, com 220,5 cm x 182 cm. Encontra-se no Museu do Prado.


Representa  as Três Graças ou Cárites,  que na mitologia grega são as deusas da beleza, da sedução, da fertilidade, da natureza e da dança. Filhas de Zeus e Hera, estão associadas a Afrodite, deusa do amor, ou a Vénus, na mitologia romana.
 Moram no Olimpo, na companhia das Musas, com as quais às vezes formam coros. São também dançarinas e dada a sua predilecção especial pela música, fazem parte do séquito de Apolo, o deus da música.
O nome de cada uma delas varia nas diferentes lendas, mas o trio mais frequente é:

Aglaia - a claridade
Tália - a que faz brotar flores
Eufrosina - o sentido da alegria


As Três Graças de Rubens - Museu Nacional do Prado



Quando as olhamos, impressiona-nos a imperfeição das formas. Contudo,  elas são uma reprodução perfeita de alterações anatómicas que, só muito mais tarde, foram descritas e classificadas como doença.
A figura do centro apresenta a coluna em forma de S, ( escoliose ) de forma bem nítida; e ao apoiar-se sobre a perna esquerda, a anca descai para o lado direito.
Numa pessoa normal a anca elevar-se-ia. Este sinal foi descrito por Friedrich Trendelenburg (1843-1924), cirurgião alemão e que se encontra nas situações em que a contractilidade dos músculos nadegueiros, especialmente o médio, está diminuída.
O sinal de Trendelenburg é positivo, quando  a anca de uma pessoa na posição de pé, apoiada somente numa perna, descai para o lado da perna levantada.
A figura da esquerda tem os dedos em hiper-extensão,  bem marcada nas articulações das inter-falanges distais,  bem como nas metacarpo-falanges dos quarto e quinto dedos.

 
                                pormenor

Apresenta também a deformidade  em pescoço de cisne.
Em todas as três figuras se observa  hiperlordose da coluna lombar e pés planos.




Pensa-se que uma das  retratadas será Hélène Fourment, segunda mulher de Rubens e as outras suas irmãs. Esse facto pode explicar  as alterações anatómicas  como fazendo parte de um síndrome descrito em 1967,  designado por hipermobilidade familiar benigna.
É um distúrbio hereditário do tecido conjuntivo, associado a patologia músculo-esquelética.
O  interessante,  sem dúvida, é a acuidade apurada do artista e a reprodução de um conjunto de sinais que, só muito mais tarde, virá a ser descrito na literatura médica.

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