sexta-feira, 20 de junho de 2014

Poesia


Salema



Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.


 Sophia de Mello Breyner Andresen
in No Tempo Dividido, 1954

      

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Poesia

                                                                 Porto


Os Amigos 


Voltar ali onde 
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Musa'


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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Passeio no Douro II

( Continuação)

2º dia

Régua

No segundo dia, ao acordar, da janela do meu quarto o rio tinha a cor cinzento chumbo.





    Mas logo o sol se descobriu e o rio de cinzento passou a azul.







    Da Régua abalamos para o Vesúvio, de comboio, com o sol  sempre forte.



   E o rio que na Régua de cinzento passou a  azul, agora vai  passar a verde.

   As imagens são recolhidas com o comboio em andamento e através do vidro da janela. 
















Chegados ao Vesúvio,  almoço na Casa da Boa Comida que fez jus do nome, para onde nos transportamos de auto-carro.

 Ementa:

 Óptimas pataniscas de bacalhau com azeitonas
 cozido à portuguesa feito em potes de ferro na lareira
 leite creme
 arroz doce
 pão maravilhoso
 vinho da região
 café


Duas belíssimas rosas das muitas roseiras que encontramos nas bermas do caminho de acesso ao restaurante.




Depois de almoço,  e de auto-carro,  encaminhamo-nos para a casa que foi propriedade de Dona Antónia Ferreira,  a Ferreirinha e que Agustina usou como sendo a casa de Osório com quem Ema teve uma relação amorosa. A este propósito, lê-se o seguinte:

(...) O seu refúgio era o Vesúvio. Chegava lá depois de muitas horas de viagem, num comboio a vapor, com transbordo, cheio de gente muito selvagem, completamente desbocada, feliz na sua prosmicuidade.(...)



A casa do Vesúvio;  defronte, o monte que lhe deu o nome

(...)Muitas vezes Osório não aparecia. Ema ficava bloqueada pela chuva, passava no Vesúvio quatro ou cinco dias, aborrecendo-se de morte, folheando revistas velhas.(...)

(...) Ema jantou sozinha na sala enorme, com aparadores como capelas onde brilhavam os dragões rosa da louça da China. Era a casa dos Osório do Vesúvio, construída no estilo barroco, com escadas de pedra e um terraço sobre o rio. Uma casa lendária, que cheirava a vinho fino, a aguardente vínica, a vinagres de cheiro.(...)










Pormenores da casa do Vesúvio

  Lê-se no Vale Abraão:

(...) Quando chegava ao Vesúvio, não era para se reunir com Fernando Osório; mas para navegar a sós naquele rio escuro, sabendo que o barco podia voltar.se pelo risco que lhe impunha duma velocidade exagerada para o seu calado.(...)

(...)O mordomo Caires prevenia-a do mau estado do cais. As tábuas lodosas tinham apodrecido no último Inverno, a ponto de os cães não quererem pisá-las.
-Eles sabem que não estão seguras. Mas ainda não arranjei ninguém para as consertar.
Ema passou a conhecer melhor o pontão, a esquivar-se dos seus estalidos, a saber onde vergavam as madeiras; eram só uns segundos de perigo, depois encontrava-se, como num ventre macio, dentro do barco, cujas almofadas azuis a rodeavam. E Ema deixava-se levar no fio da água, vendo a esteira de prata que a seguia fora do peso dos elementos; como se voasse ao encontro de um sentido que fosse o sinal da incarnação feminina.  As altas falésias, de pedra granítica e tumular, levantavam-se nas margens. Não se podia chamar margens àquilo. Eram detalhes dum vulcão; eram, nas pedras, rasgões de garras que ali tivessem escorregado. Quem? O silêncio impenetrável subia até aos sarçais onde restos de oliveiras, que não morriam nunca,  pareciam ossadas desenterradas.(...)

(...) Fernando Osório fora um amante fútil que ela usara como o golpe de rins do mergulhador que muito tempo percorre os abismos em busca de uma riqueza afundada;  e que, de repente, compreende que está em vias de afogar-se, que os pulmões vão explodir se não puder voltar à superfície.(...)

(...) O Vesúvio transmitia-lhe uma lisa imagem de si própria: a mulher adúltera(...)




 (...)Depois de jantar, como era ainda dia, Ema desceu ao cais de embarque, disposta a dar uma volta na lancha(...)

(...) Ao saltar para a embarcação, sentiu,  debaixo dos pés, o ruído aziago das pranchas podres. Estavam a ceder e ameaçavam ceder sob o peso de alguém. Como Ema era leve, elas apenas gemeram e pareceram resistir.  Mas, subitamente, esboroaram-se como cogumelos negros dos que crescem nas árvores e anunciam a sua morte. Ema não teve tempo de agarrar a beira do barco, o lodo fez-lhe fugir das mãos o casco, que ficou a balançar suavemente, sem ruído. Ela afundou-se rapidamente(...)


                                                 A rampa que acede ao cais de embarque

De visita à quinta fomos ver uma adega, entre as nove, acompanhados de um engenheiro agrónomo  e, ficamos a saber que as vinhas do Douro exigem o dobro do investimento em relação às vinhas  do Alentejo; consequência inevitável da configuração do terreno.


 visita à quinta


 na adega





Ficamos a saber também que o vinho se continua a fazer pelos processos  primitivos com os mesmos rituais, mantendo a qualidade e a tradição;  e as adegas, assim como os lagares, se conservam integralmente os mesmos. Depois de reparados têm a mais a energia eléctrica, como referiu com alguma ironia o engenheiro que nos acompanhava.
Depois disto, despedimo-nos do Vesúvio e desta vez sem prova de vinhos, o que lamentamos.

Fica a recordação de um interessante passeio e a certeza de que  as atracções da região do Douro são infindáveis e, em qualquer altura do ano, o rio aposta sempre em nos surpreender!


24, maio 2014
Maria Cancela
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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Um passeio no Douro I

 1º dia

 Um passeio no Douro, por terras Agustinianas, teve o objectivo de visitar lugares onde se desenvolve a história do livro Vale Abraão.
  
"No Vale Abraão, lugar dum homem chamado inutilmente à consciência do seu orgulho, da vergonha, da cólera, passavam-se coisas que pertenciam ao mundo dos sonhos, o mundo mais hipócrita que há" Agustina Bessa Luís.

Este livro,Vale Abraão,  destinou-se a servir de guião ao filme de Manoel de Oliveira com o mesmo nome e, sem dúvida, que a obra ficou muito valorizada.
Foi um passeio muito interessante orientado por pessoas conhecedoras da literatura e da região.
Começamos pela Quinta da Pacheca, local onde Oliveira rodou várias cenas do filme Vale Abraão, com prova de vinhos e onde almoçamos.


                                                  Na Quinta da Pacheca


Adega da Quinta da Pacheca


 Depois de almoço,  passando por Vale Abraão até Godim,  vimos aí a casa que serviu de cenário a alguns episódios do filme e onde foi descerrada uma lápide na entrada da casa onde  a  Agustina viveu e. onde Oliveira filmou também algumas cenas.

Deste vale, diz Agustina no seu livro: - "Porém, há na curva que apascenta o rio pelo rechão areento, ao sair da Régua, um vale ribeiro de produção de vinhos ainda de cheiro e que se estende, rumo à cidade de Lamego, comarca a que pertence, até às águas medicinais de Cambres. É o Vale Abraão, com suas quintas e lugares e sombra que parecem acentuar a memória dum trânsito mourisco que de Granada trazia as mercadorias do Oriente e, porventura, os gostos de pomares de espinho e dos vergéis de puro remanso".


Vale Abraão

 
Quinta de Vale Abraão, casa de  Carlos Paiva
hoje  Hotel de luxo, depois de um incêndio

Agustina, no seu livro, descreve assim esta casa:

(...)Em Vale Abraão estava a casa de Carlos Paiva. Nada de orgulhar ninguém; um amontoado de sobrados, de pequenas salas e alcovas, e eidos que se foram juntando, como para se aquecerem, e que resultara num incongruente encosto de telhados e goteiras, portas esconsas e janelas desiguais(...)


Em Godim, a casa de Ema -  o Romesal


Lê-se no Vale Abraão:

(...)O velho deu-lhe o endereço do Romesal; era a margem direita do Douro, uma quinta mediana, com jardim sobre a estrada. Paulino Cardeano convidou Carlos e disse que se estivesse doente o chamava.(...)

 (...)Carlos de Paiva viu-se um dia a sair do seu carrinho sujo e que cheirava a alcool canforado, a perguntar pelo Romesal a dois moços que desciam pela estrada.
- Depois da curva, mas vá com cuidado.
Riram-se alto e foram pelo caminho abaixo(...)
(...)O facto de Ema frequentar muito a varanda provocava bastantes percalços. Ao desfazer a curva da estrada, era forçoso levantar os olhos para a pessoa alí debruçada; e não havia motorista que ficasse indiferente. O choque da beleza ofuscava-o, isto sem querer exagerar. Perdiam por momentos o controlo e eram rudemente projectados contra a parede; outras vezes chocavam de frente com o carro que subia em sentido contrário e que não tinha maneira de se desviar, posto que o muro da propriedade de Ema era uma espécie de baluarte com quatro metros de altura. (...)
(...) As coisas foram piorando e chegaram aos ouvidos das autoridades. Uma manhã, pelas onze horas e pico, o Paulino Cardeano teve a visita do presidente da Câmara em pessoa.(...)
(...) - A sua filha é um perigo para o trânsito nesta estrada.(...)
(...) - Não sei o que a minha filha... - ia a começar a dizer o Cardeano. Mas o presidente interrompeu-o.
- Ela não tem culpa, é evidente. Mas aquela varanda é muito capaz de não estar bem colocada. Seria bom mudá-la de sítio.
- Mudar a varanda? - disse Cardeano. A sua pequena cabeça calva cobriu-se dum tom arroxeado que alarmou o presidente(...)   

                                    Ao lado do Romesal viveu Agustina                                                  
                                              Ficou assinalado nesta lápide

Entrada e jardim da casa onde viveu Agustina.
Motivo de inspiração dos artistas que nos acompanhavam

Rumo à Régua


Na Câmara Municipal da Régua realizou-se uma sessão na biblioteca, onde se fez a apresentação e prova do vinho Sibila, assim como o lançamento das últimas obras de Agustina.

                                                Rua defronte à Câmara Municipal


À noite, assistimos à projecção do filme de Manoel de Oliveira, Vale Abraão

23, Maio 2014

(continua)

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