quarta-feira, 14 de setembro de 2011

textos ao acaso

Peterhof

Uma cerveja no inferno


-Outrora, se estou bem lembrado, a minha vida era um festim onde todos os corações se abriam, em que todos os vinhos cintilavam.
-Uma noite sentei a Beleza nos meus joelhos. - E vi que era amarga. - E injuriei-a.
-Armei-me contra a justiça.
-Fugi. Ó feiticeiras, ó miséria, ó ódio, fostes vós a guarda do meu tesoiro!
-Consegui destruir em mim toda a esperança. Contra toda a alegria lancei o bote cego da besta feroz. Estranguladas!
-E chamei os carrascos para morder, na agonia, a coronha dos fuzis. Conjurei as pragas para sufocar na areia, mergulhar em sangue. O infortúnio foi o meu deus. Estiracei-me na lama. Sequei ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
-E a primavera trouxe-me a terrível risada do idiota.
-Ora, ultimamente, prestes a lançar à cara do planeta o derradeiro estalo, lembrei-me de ir buscar a chave do festim (talvez me regrasse o antigo apetite?).
-Caridade - é a chave. Uma inspiração destas prova que sonhei!
-"Permanecerás hiena, etc...", ruge o demónio que me coroava de tão amáveis papoilas.
"Morre feliz ao lado dos teus apetites, com todo o teu egoismo, com todos os melhores pecados capitais."
-Ah! tomei tanto disso... - Mas, meu caro Satã, não carregueis tanto o sobrolho! e enquanto esperais ainda uma que outra miséria vinda atrasada por motivo de obras, vós, que apreciais no escritor a mais selecta ausência de faculdades descritivas ou pedagógicas, aqui tendes para já, especialmente arrancadas, estas odiosas folhas do meu canhenho diário de danado

Jean-Arthur Rimbaud

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